Propósito da Igreja:

Propósito da Igreja: "E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações." Atos 2:42

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Batista Reformado


PODE UM BATISTA SER REFORMADO?
 
Sou pastor batista e sou reformado!
Alguns batistas podem ficar desconfortáveis com o termo reformado porque por falta de entendimento rejeitam o Calvinismo e fecham a porta de uma conversa rica e esclarecedora quanto a doutrina da graça, achando que não há relação entre a teologia reformada e os batistas. Um batista pode ser reformado? Claro que sim, pelo menos em uma perspectiva soteriológica. Vamos entender o termo:
 
1. O QUE É SER REFORMADO?
Olhando teológica e historicamente para a pergunta o que é ser reformado, o leitor poderia responder prontamente que é crer na teologia reformada, entretanto uma outra questão emerge: O que é teologia reformada?
Dr. Sproul afirma que a teologia reformada é fundamentalmente centrada em Deus, baseada somente nas Escrituras, comprometida com o princípio da justificação somente pela fé, devota a Jesus Cristo e estruturada por três alianças.[1] Dr. Laurence Vance adiciona que a teologia reformada possui duas doutrinas centrais: a teologia do pacto e o calvinismo.[2] O já aposentado professor Herman Hanko do Seminário Protestante Reformado nos EUA, restringe ainda mais o termo dizendo que teologia reformada é crer nos cânones de Dort (depravação total, eleição incondicional, expiação limitada, graça irresistível e perseverança dos santos).[3]
É comum que se associe o calvinismo ao presbiterianismo, porém não podemos limitá-lo somente a um grupo denominacional, mas a todo um movimento: a Reforma Protestante. É fato que alguns gostam de subdividir a Reforma Protestante em "reformas" (Evangélica ou comumente conhecida como luterana, a Reformada, a Anglicana e a Anabatista), mas vamos nesse artigo considerar somente o conceito maior da Reforma Protestante, o rompimento eclesiástico e doutrinário com o Romanismo. R. B. Kuiper sustenta, então, que o calvinismo é uma evolução completa do protestantismo,[4] o que incluiria não somente os presbiterianos mas todos os outros grupos protestantes, e consequentemente, os Batistas.
Infelizmente o termo “reformado” foi associado com somente um grupo protestante, assim como o termo “pentecostal” foi vinculado com as igrejas que apresentam características específicas como o Arminianismo, a ênfase na prática dos dons espirituais, o batismo no Espírito como uma segunda experiência do cristão evidenciada pelo falar em outras e línguas, e a busca por milagres. No entanto, biblica e epistemologicamente, todas as igrejas são pentecostais, pois de acordo com a visão batista dispensacionalista, a igreja teve seu início no Pentecostes, tornando-nos todos pentecostais em um sentido mais amplo do termo, porém hoje pentecostais, mais restritamente, são as igrejas que possuem essas características particulares do grupo que detêm esse nome.
Da mesma forma todas as igrejas protestantes, também em um sentido mais amplo, são reformadas, pois romperam com o Catolicismo Romano, defendendo e aderindo aos princípios da Reforma: a autoridade suprema das escrituras e principalmente, a justificação somente pela graça, somente por meio da fé e somente em Cristo Jesus, tão bem expressa e complementada nos cinco solas da Reforma (Sola Scriptura, sola gratia, sola fide, solus Christus e Soli Deo gloria).
Com esse esclarecimento fica claro que o Batista não só pode ser reformado, mas é reformado. Mas entendendo que historicamente o termo “reformado” é uma referência a teologia reformada como um todo, e essa teologia é expressa na confissão de fé de Westminster e nos cânones de Dort, podemos então afirmar que o batista pode ser reformado?
Defendemos que a teologia reformada é muito mais do que um sistema teológico fundamentado nos cinco pontos essenciais para o correto entendimento da Soberania de Deus e da aplicação da salvação, representada na Confissão de Fé de Westminster e nos cânones de Dort, denominado “calvinismo” pelo polemista luterano Joaquim Westphal (1510-1574), quando se referia ao Catecismo de Heidelberg (1563) e as doutrinas aparentemente estranhas à fé luterana. [5] A teologia reformada vai muito além disso.
É correto afirmar que o cristão reformado defende a teologia reformada e crê nos cinco pontos de Dort, mas quando falamos de alguém ser reformado estamos nos referindo a uma cosmovisão. J.I. Packer declara que a teologia reformada “é uma maneira teocêntrica de pensar acerca da vida, sob a direção e controle da própria Palavra de Deus”.[6] Ser reformado não é apenas defender alguns pontos da teologia sistemática, mas sim, ter um entendimento da vida a partir das Escrituras Sagradas, que naturalmente irá determinar nosso comportamento, nossas atitudes e crenças nas diversas áreas de nossa vida.
            Ser reformado é ter essa cosmovisão e ela certamente não é dualista, não divide a cultura criando uma dicotomia fundamentada distintivamente entre o santo e o profano, o sagrado e o secular, mas vive os princípios do reino de Deus e seus mandamentos bíblicos em cada área da vida, [7] formando assim, uma cultura cristã, que expressará sua linguagem, sua arte, sua economia, ciência, educação, seus posicionamentos e ideias, dentro de uma perspectiva bíblico-cristã reformada.
 
2. PODE O BATISTA SER REFORMADO?
            João Calvino foi um dos maiores teólogos da história da igreja e com certeza um dos grandes nomes da reforma protestante, mas ainda causa desconforto para muitos cristãos. Merle D’Aubigné afirma que “não há, talvez, nenhuma pessoa da História mais mal compreendida do que João Calvino”.[8] Alguns, só de ouvirem o nome Calvino já criam uma resistência, mesmo nunca tendo lido as Institutas ou qualquer outra obra do reformador. Muitos batistas engrossam o grupo daqueles que rejeitam o calvinismo por associá-lo com o fatalismo, por não entenderem a soberania e a justiça de Deus. Eles amam a liberdade humana e temem qualquer doutrina que tire o controle de suas vidas de suas mãos, e ficam presos a um pensamento semi-pelagiano herdado dos papistas ou de algum grupo pentecostal tão difundido nos dias de hoje. Desconsideram a história, a teologia e as escrituras e, por medo ou ignorância, descartam a teologia reformada sem saber que ela faz parte de nossa história e de nossa declaração de fé.
            Mas pode realmente o batista ser reformado? Se considerarmos que a teologia reformada é mais do que um sistema teológico, é uma cosmovisão onde o cristão vai lidar com as questões da vida com uma perspectiva bíblica reformada, atentando para a soberania de Deus e a doutrina da graça, então podemos dizer que sim, o batista pode ser reformado.
            O presbítero da igreja presbiteriana nos EUA, William H. Smith descorda da posição deste artigo. Ele propõe que chamar um batista de reformado é uma incongruência devido ao teor do que realmente significa o termo reformado. De acordo com Smith, o termo reformado ou calvinista, vai muito além dos cinco pontos do calvinismo, mas abrange uma dimensão eclesiológica e sacramental, e certamente um batista não poderia ser reformado nesses moldes, pois sua eclesiologia destoa das igrejas presbiterianas.
Os batistas são congregacionais em sua estrutura eclesiológica, possuem menos oficiais e não possuem uma visão sacramental do batismo e da ceia, que são ordenanças e não sacramentos. A ceia é somente um memorial e juntamente com o batismo são sinais e não selos ou meios de graça, e são administrados de uma forma diferente, principalmente em relação a rejeição do batismo infantil tão característico aos presbiterianos.
Batistas creem que a igreja é composta somente por pessoas regeneradas e não aceitam que a igreja visível seja composta dos cristãos e seus filhos, mas somente daqueles que creem. Não veem a correspondência entre o batismo neotestamentário e a circuncisão veterotestamentária, pois entendem os pactos de uma forma diferente. Batistas não defendem uma continuidade entre o Antigo e o Novo Testamento, sendo mais dispensacionalistas do que pactuais e consequentemente não creem na existência da igreja no Antigo Testamento.
Isso tudo já seriam evidências suficientes para concluir que o batista não pode ser reformado. Calvino jamais confundiria uma igreja batista reformada com uma igreja inglesa reformada ou holandesa reformada. Se os batistas fossem reformados eles teriam que sustentar “a ideia da igreja visível, a natureza dos sacramentos e a prática do batismo infantil,”[9] afirma Smith.
Entretanto se faz necessário uma avaliação do termo “reformado”. A questão é se ser reformado implica uma concordância com Calvino em todas as áreas da teologia sistemática ou apenas uma concordância na soteriologia mantendo a eclesiologia tradicionalmente batista.
Eclesiologicamente o batista não é e nem pode ser reformado, no sentido restrito da palavra, mas pode perfeitamente ser reformado na soteriologia. Nos posicionamos desta forma porque cremos na doutrina da graça e na soberania de Deus como apresentada nas Escrituras e interpretada por João Calvino. O ponto de congruência para o batista confessar a teologia reformada é a soteriologia.
Pode um batista ser reformado? No sentido amplo, sim pode, no sentido restrito que envolve eclesiologia, não, não pode. Mas a ênfase que damos ao se intitular reformado é soteriológica, então, sim o batista pode ser reformado, ou melhor se expressando soteriologicamente reformado. Talvez a melhor nomenclatura seria que o batista pode ser “dortiano,” uma tentativa de nos associar aos cânones de Dort.
Dr. Carl Trueman, professor no Westminster Theological Seminary nos EUA, em seu artigo “What’s in a name?” (O que um nome contém?)[10] também se posiciona contrariamente dizendo que o termo reformado se expandiu muito abrangendo hoje batistas e até alguns carismáticos, mas se usarmos o termo no sentido mais restrito da palavra, reformado são aqueles que detém e observam a confissão de fé de Westminster, o que deixaria os batistas à margem.[11]
Se o fator decisivo para se considerar um cristão reformado for a confissão de Westminster, então os batistas ficariam de fora, pois não estamos firmados teórica e historicamente sob esta confissão, entretanto, Jeremy Walker da igreja batista Maidenbower na Inglaterra escrevendo em seu artigo “Reformed and Baptist: The Third Wave” (Batista e Reformado: A Terceira Onda)[12] afirma que o batista pode sim ser reformado pela similaridade que há entre a confissão de Westminster com a confissão batista londrina de 1689 e por defendermos os cinco pilares da Reforma.
Agora um novo referencial se desponta para autenticar o batista como genuíno reformado: A confissão batista londrina de 1689 e sua similaridade com a confissão de Westminster que veremos em um outro artigo.
 
3. CONCLUSÃO
            Pode o batista ser reformado? Soteriologicamente sim, eclesiologicamente não.
            O batista não é reformado em sua totalidade pois isso envolveria uma teologia pactual e sacramentalista que difere da nossa declaração londrina de 1689. Por mais similaridades que hajam, e são muitas, entre a confissão de 1689 e a confissão reformada de Westminster, alguns pontos principalmente na eclesiologia, desde o governo da igreja até a administração das ordenanças são incompatíveis. Se o padrão para ser reformado é ter a confissão de Westminster como guia e resumo das convicções doutrinárias, então os batistas não podem ser reformados.
            Entretanto, entendemos que ser reformado vai muito além da eclesiologia. Ser reformado é uma cosmovisão, uma forma de encarar a vida dentro de uma perspectiva bíblica cristã reformada, e dentro desta perspectiva o batista pode muito bem ser reformado. Porém esse artigo restringiu o termo apenas no âmbito doutrinário e teológico. Nessa ótica mais particular e restrita, afirmamos que sim, o batista pode ser reformado porque em primeiro lugar o movimento derivou da reforma Protestante. Os batistas não são uma extensão da igreja Católica Romana, nem são um grupo sectário vindo de outras religiões. Os batistas são fruto da reforma protestante e portanto são reformados.
            Em segundo lugar, o movimento batista desde sua origem defende e crê nos cinco pontos essenciais do Sínodo de Dort, os cânones que são um dos principais documentos reformados. Os batistas particulares creem e defendem a doutrina da graça, na soteriologia, antropologia e hamartiologia, então não há outro modo sincero de se afirmar que o batista pode ser doutrinariamente calvinista e consequentemente reformado. Além do mais, os batistas particulares defendem a confissão de fé de Londres de 1689 que por sua natureza é uma confissão reformada e coerente com Dort.
            Pode um batista ser reformado? Sim ele pode ser soteriologicamente reformado e ainda sim fiel à sua origem, sua confissão e seu pacto denominacional.
          
 
 Pr. Ricardo Rocha
 
[1] R. C. Sproul. What is Reformed Theology? (Grand Rapids, MI: Baker Books, 1997).
[2] Laurence M. Vance. O Outro lado do Calvinismo. (e-book, pg.34)
[3] Herman Hanko. O que Significa ser Reformado?. (Fireland, 2012).
[4] VANCE. O Outro lado do Calvinismo, pg.34.
[5] Hermisten Maia. Nossa Identidade Reformada em Monergismo. http://www.monergismo.com/textos/teologia_reformada/identidadereformada.htm. Acessado em 04.11.2015
[6] J.I. Packer em Teologia Reformada. http://www.mackenzie.br/teologia_reformada_est.html. Acessado em 04.11.2015
[7] Brian Walsh e J. Richard Middleton. A Visão Transformadora: Moldando uma Cosmovisão Cristã. (São Paulo, SP: Cultura Cristã, 2010), 83.
[8] Hermisten Maia. João Calvino 500 anos. (São Paulo, SP: Cultura Cristã, 2009), 11.
[9] William H. Smith. Can Baptists Be Reformed? Is This a contradiction in terms? Em The Christian Curmudgeon  http://thechristiancurmudgeonmo.blogspot.com.br/2012/06/contradiction-in-terms-anthony-bradley.html  Acessado em 11.11.2015
[10] Minha Tradução
[11] Carl Trueman. What’s in a Name?  em Postcard from Palookavillle. http://www.mortificationofspin.org/mos/postcards-from-palookaville?page=44 Acessado em 11.11.2015
[12] Minha Tradução